19/05/2007

Super Man

Recebi do meu amigo Sérgio Macedo um mail muito bem humorado, comentando sobre as impressões dele a respeito do filme ‘Homem Aranha 3’, recém lançado nos cinemas.
Bem, motivado pelo bom texto do Sérgio Macedo, coincidindo com o tema ‘mitos’ nas relações de mercado, na disciplina de Comportamento do Consumidor do (ótimo) Prof. Lélis Espartel no Mestrado da Unisinos, onde surgiram algumas destas figuras, tive a idéia de responder ao Sérgio (e para a rede dele) com algo sobre o Superman. A repercussão (em dois dias) foi imensa e resolvi colocar o texto (agora editado) no Blog e distribuir mais amplamente, propondo algum debate sobre o assunto.

Sérgio Macedo,
Bom Dia!
Gostei muito da tua crítica ao spiderman. Contudo, apelo para que não esqueçamos do superman.
Dentre os heróis e mitos das histórias em quadrinhos que povoaram minha infância, o superman é um dos que freqüenta a mais fascinante e - ao mesmo tempo, perigosa das minhas galerias. Em superman temos a reprodução do ideal norte-americano e as bases da sua ideologia, na crença da sua predestinação.
Foram os primeiros imigrantes europeus que desembarcaram no solo das treze colônias que trouxeram para o mundo novo os fundamentos da ideologia norte-americana. Estes imigrantes saíram da Europa em busca de uma terra para criarem raízes e, em sua maioria, eram o resultado de uma profunda cisão religiosa que estava ocorrendo no velho continente. Os fortes ideais introduzidos, misturados ao rigor da construção de uma nova sociedade em um mundo absolutamente diferente, desconhecido e difícil, forjaram o caldo de cultura necessários que foram fundamentais esta nova ideologia, e passam pela guerra da independência, se fortalecem na guerra civil entre o sul e o norte e embasa o expansionismo na conquista do oeste e na tomada de territórios aos mexicanos, quando inicia o avanço sobre a América Central, sobre o Caribe e, mais tarde chega à América do Sul, pavimentando uma rede de abastecimento de riquezas e interesses ao império sobre um rastro de sangue e saques.

Se até a primeira grande guerra consolidou-se a idéia da América para os (norte) americanos, a partir dali o avanço é progressivo e ininterrupto sobre o patrimônio dos países. Tal como os romanos e mais tarde o avanço espanhol nas Américas, a forma de penetração (e perpetuação) yankee inicia com uma forte intervenção (externa ou interna), solapa valores culturais (aculturamento) e impõe-se no domínio econômico. A isto chamamos de sistema de colonização. Se antes haviam escravos, hoje temos zumbis socio-econômicos-culturais.

Mas voltemos ao superman. Esta construção do ideal tem como fundamento filosófico a teoria da predestinação, âmago dos valores yankees. Em resumo, eles são predestinados a serem a locomotiva do progresso (e controle) do mundo por obra de Deus, cujo filho é o profeta, o mensageiro. Para melhor entender, os predestinados saem em busca da terra prometida (por Deus) e – ao encontrá-la, fundam ali uma nova sociedade com estes eleitos e vivem felizes para sempre. Os indícios de que alguém é predestinado por Deus são os sinais exteriores de prosperidade.

Numa sociedade de valores morais tão rígidos e esquizofrênicos como o deles e, simultaneamente, tão centrada na obsessão pelo domínio científico e tecnológico, os arquitetos das filosofias que nos escravizaram, por anos a fio, exportando o fragmentalismo da comunicação, o estruturalismo da educação, e assim por diante, avançaram também sobre nossas manifestações culturais, construindo e aprisionando idéias em armadilhas, submetendo-nos - desde a tenra idade, à um bombardeio de valores que nos baixam a estima, que nos agrilhoam na crença de que precisamos ser libertados por Deus (e/ou seus representantes) da tentação demoníaca de lutar contra nossa natureza pacífica e livre.
O superman traduz, inocentemente, esta crença. Vem de um planeta distante, colocado numa nave interplanetária por seu próprio pai e mãe e, lançado ao espaço, chega à terra, ainda bebê, junto com um manual de instruções, contando a história da criança e do planeta, que poderia ser interpretado como o livro sagrado. Sua chegada é anunciada por uma ‘estrela’ que cruza os céus: um meteoro com uma cauda fumegante.

Não pode ser morto. Mesmo com balas de grosso calibre, metralhadoras tiro de canhão. Nada perfura o corpo inviolável do superman.

A onipresença divina também pode ser detectada pela impressionante visão raio-x e da super audição do nosso herói. Lembra da professora de catecismo? “- É impossível escapar ou esconder-se do Senhor. Ele te enxerga em pecado mesmo num quarto escuro ou debaixo da cama. Ouve tuas blasfêmias, mesmo em cochichos. Lê teus pensamentos.”

O planeta Kripton, sua terra natal, é destruído totalmente por forças naturais e não sobre ninguém para contar a história, a não ser ele, que chega à terra, cai nos Unites States of America e é adotado por uma típica família de trabalhadores americanos, tementes à Deus e de sólidos valores morais. Como a história de José e Maria, esta criança é introduzida numa família de terráqueos por uma força divina, é filho de um super homem de quem herda poderes que os terráqueos não tem e recebe, como incumbência moral a defesa intransigente da humanidade e da terra contra as forças do mal, pelo menos do ponto de vista yankee.
Assim, o menino prodígio, cresce - e lembro da minha infância lendo revistas do superman e do superboy, que contavam as histórias do super adolescente em sua vida juvenil, cheia de bondades e atos heróicos, naturalmente.
Observe, meu caro amigo Sérgio Macedo, as roupinhas do superman. Diga se não tem, no modelito, a cor da bandeira da pátria amada adotada, os USA? Já notou ele se apresenta sempre emoldurado pela bandeira norte-americana? Veja que ele não é negro ou mestiço. É um imigrante branco, poderoso, bondoso, inteligente e bonito, que veio de um super-lugar-que-não-existe-mais e não-tem-mais-ninguém-que-o-represente, adotou os United States of America como pátria e defende seus ideais. E o mundo, conforme estes ideais. Não é uma gracinha? E já notou que êle é um jornalista? Lembra do 4o. poder? Lembra dos filmes e literatura que conhecemos sobre jornalismo investigativo, sobre jornalistas que desvendam histórias e ajudam a Lei a pegar bandidos?
E quando o superman é posto em perigo (um inimigo pega um pedaço de kiptonita, que o deixa fraco para os padrões terráqueos), surge um amigo humano para ajudar, com uma solução humana para o caso, obviamente para que não esqueçamos que somos úteis em alguma coisa. Trata-se de um discípulo, ou seguidor agradecido. A kriptonita não é uma forma terráquea capaz de abalar o superman, mas sim algo que tem origem na terra dele. Ou seja, só o que pode acabar com ele, é algo que vem do espaço... ou ele mesmo.
Desde que foi criado, no início dos anos 50 do século passado, o senhor superman não teve a capacidade de gerar descendentes. Porque será? Até nisto a indústria cultural aproveita para construir mitos, construindo uma teia (e não é do spiderman) de lendas e mitos sobre a santidade(?) do superman e sua (im)provável descendência. A Mary Lane, eterna namorada, nunca experimentou (ao que se sabe) mais do que um beijo em final de filme. Agora, falar em continuidade da história e fazer ele assumir um romance, é retirar do pedestal um santo e humanizá-lo, imputando-lhe valores humanos e amputando-lhe os super poderes. E são poderes sobre vida e morte de pessoas, normalmente inimigos que atentam contra os valores ocidentais.
É, meu bom amigo, ainda bem que a minha geração teve a sorte de uma poderosa kriptonita cultural, em obras do Ariel Dorffmann e do Manuel Jofré, que nos ajudaram a interpretar estes super heróis e sua ideologia.
Saudações Fraternas,
Marcus Vinicius Anflor

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