Minha História

     Me chamo Marcus Vinicius Anflor. Nasci às 12 horas do dia 29 de novembro de 1958, na maternidade do Hospital Lazzarotto ali no Passo d'Areia, zona norte de Porto Alegre. O Dr.Lazzarotto fez o parto. Ele era muito amigo do meu avô paterno Antonio Loreto Anflor. Meus pais tinham 18 anos e não haviam completado um ano de casamento. Estas datas - os aniversários deles e o de casamento, viriam todas durante o mês de dezembro, antes do Natal. O verão já estava sendo anunciado e o calor era muito forte. Meus pais já se conheciam há mais de dez anos. Pois o dia 29 de novembro de 1958 caiu num sábado e o parto que me trouxe ao mundo foi cesariana.
     As duas famílias eram vizinhas no bairro Teresópolis, zona sul da cidade, no extremo limite da cidade naquela época. Minha mãe estudava com a irmã mais nova do meu pai, Marli, no Colégio Ernesto Dorneles, na rua Duque de Caxias, tempo em que era um semi internato exclusivo de meninas. Logo se tornaram irmãs inseparáveis e construíram uma bonita amizade que duraria por toda a vida. Não era muito comum uma mulher trabalhar fora de casa e os homens trabalhavam desde cedo. Mulheres eram professoras, costureiras ou bordadeiras. Mesmo assim - quando professoras, davam aulas somente no ensino primário e nas primeiras séries do ginásio. Meu pai começou a trabalhar muito cedo, em torno dos 14 anos, para ajudar em casa. E estudava, à noite, no Colégio Emílio Meyer e depois no Júlio de Castilhos, o popular e histórico Julinho, onde ele cursou o científico. 
igreja nossa senhora da saúde.
     O bairro Teresópolis abrigava - tradicionalmente, trabalhadores do comércio, e o fim da linha do Bonde que vinha do centro da cidade, era em frente a Praça Guia Lopes. Outra linha subia a lomba de saibro vermelho da Sepé Tiarajú - ao lado da praça em direção à Pedreira. No outro lado da praça era a Igreja Nossa Senhora da Saúde, onde meus pais casaram em 21/12/1957 e onde eu fui batizado, em pleno verão 58/59. Meu avô materno, Nicolau Gibara Manssur, um imigrante sírio popularmente conhecido como Dr.Manssur - advogado, pediu para um padre Católico Maronita de Damasco, em visita ao Brasil naqueles dias, proceder o batizado e assim aconteceu. Em frente a Igreja tinha um ponto de táxi, que era chamado de carro de praça e ali também havia um telefone numa cabine de madeira envidraçada, com porta basculante onde eu gostava de brincar quando já estava maior.
bonde linha centro-teresópolis-pedreira.
     Naquele tempo Porto Alegre era uma cidade bucólica e provinciana que não chegava a 400 mil habitantes (IBGE em Porto Alegre, Evolução da População e Estoque Habitacional - 1872 a 1991, tabela 1.1) e o principal momento social era o footing na Rua Praia, ao final da tarde, que terminava num sorvete na Confeitaria Rocco na esquina da Riachuelo com a Dr.Flores, nos verões quentes, ou num chocolate quente com esfiha no Matheus, na Borges de Medeiros, nos dias frios do outono/inverno. Os rapazes desfilavam de paletó e gravata, adornados com topetes esculpidos com glostora, e costumavam perdurar-se nos estribos dos bondes que apanhavam ainda em movimento, tentando impressionar as meninas em uniformes escolares que retornavam para casa.
cine teresópolis, anos 70.
     Meus pais integravam esta juventude e apreciavam os chicletes de bola tutti-frutti, a coca-cola e o rock-n-roll, na sua pré-adolescência. Os rapazes fumavam escondidos até os 21 anos e trocavam gibis nas matinês dos cinemas, nas tardes de domingo. Os cinemas eram em prédios à beira de calçadas e - além do centro, os bairros tinham seus próprios e bem frequentados cinemas. Em nosso bairro havia o Cine Teresópolis, na avenida de mesmo nome. No local, hoje, tem um prédio da Caixa Econômica Federal.
     Bem, eu cresci no bairro Teresópolis. Moramos com meus avós paternos um tempo, um poucos com os avós maternos e, depois, formos morar numa pequena casinha de três peças, de madeira, nos fundos da residência do casal Erasmo e Edith, na rua Dario Totta, ao lado do convento. Neste convento havia um Jardim de Infância e fui matriculado ali. Minha mãe me alcançava para as freiras por cima do muro. O casal que nos alugou o pequeno chalé era de meia idade e tinha filhos grandes. O rapaz chamava-se Antonio - apelido Tonho, e a menina, mais nova, Estela - uma rica criatura de sardinhas no nariz e nas bochechas. Eu tinha dois anos. Meu irmão nasceu neste período. As ruas eram de chão batido, de saibro, que transformava-se em terrível barro nas épocas de chuva e empoeirava as casas nos verões quentes. Nestes verões brincávamos com banhos de mangueira no pátio. Tínhamos uma enorme parreira com uvas rosadas e escuras bem doces. A vida era difícil. Meus pais eram adolescentes ainda, 20 anos de idade e já com dois filhos pequenos. Meu pai trabalhava como propagandista do Laboratório Moura Brasil e carregava uma enorme e pesada pasta enfiado num terno preto. Só o víamos chegar em casa tarde da noite porque não o víamos sair pela manhã. Ele também tinha aula à noite. Uma vez chegou em casa com os dedos da mão quebrados num jogo de futebol de salão com os colegas de trabalho.
     Melhoramos um pouco de vida e fomos morar numa casa de alvenaria na mesma rua, no número 270. Era linda e muito grande, pintada nas cores branca e verde. Tínhamos jardim e um cachorro - o Shing-Lee. Estranho nome para um simpático e carinhoso vira lata. Nossos vizinhos - Trajano e Cely, tinham dois filhos - a Ceila e o Cláudio. O Clóvis veio mais tarde, nos anos 70. A Ceila logo ficou minha amiga. Por ser mais velha e mais alta, era natural que comandasse as brincadeiras.O meu mano Henrique e o Cláudio eram muito amigos. As famílias logo ficaram amigas e íamos juntos ao Clube Teresópolis, à Praia do Veludo em Belém Novo e às praias barrentas do Lami e Itapuã. As férias de verão eram em Santa Catarina na casa de praia do meu avô Manssur. A casa era enorme e tinha sido construída de uma parte de um hotel antigo, que ele foi proprietário, no litoral nos anos 50, próximo a Morro dos Conventos. Esta preciosa amizade é como um parentesco, pois dura até os dias de hoje.
no sentido horário: veraneio na casa do balneário gaivota em 1969; a mesma casa em destaque; 
a fachada do hotel na praia damasco de onde saiu a casa; detalhe da casa após a reforma em 1978; 
meu avô manssur (sentado) e minha avó maria (em pé) em frente ao hotel praia damasco nos anos 50.
     Em 1965, no ano em que completei sete anos, ingressei no primeiro ano do curso primário no Colégio Cruzeiro do Sul, onde tive contato com as primeiras letras na "Cartilha do Guri". Eu já sabia ler um pouco, porque aprendi com ajuda da minha avó Lira que lia o Correio do Povo no tamanho gigante e ia me ensinando como formar as palavras e as frases. Estudei no Cruzeiro dois anos. Em 1967, meu pai foi chamado no Tribunal Regional do Trabalho, porque havia passado num concurso público, e fomos morar em Passo Fundo, onde ficamos por dois longos anos. Estudei no Colégio Protásio Alves. Lá o frio era intenso no inverno e os verões eram quentes como a sala de espera do inferno. Morávamos num chalé de madeira na Rua Independência 250, ao lado da Transportadora Sulina. Minha mãe, que havia abandonado os estudos quando casou, recomeçou a estudar. As festas juninas num terreno baldio na rua Moron contavam com uma gigantesca fogueira. A vizinhança organizava a festa com doces, salgados, chimarrão e quentão.
     Das minhas grandes lembranças destes anos a que mais gosto é das férias em companhia de primos: A Sandra e o Marco Antônio - ou Druska e Tonico ou Tom, que preencheram meus dias com incontáveis brincadeiras. Nossos Natais nunca foram tão bonitos e fazem parte da minha galeria de recuerdos más notables.
verão de 1966: vó lira com os netos tom (colo), 
sandra, henrique e marcus vinicius. casa da vó, 
na rua José de Alencar, em Porto Alegre.
     Retornamos a Porto Alegre em 1969. Estudei a 5a. série do Curso Primário  no Grupo Escolar Santa Isabel, num prédio antigo na rua Jerônimo Coelho, centro de Porto Alegre. Foi um ano muito complicado. Sofri demais naquela escola. No final do ano passei no concurso de Admissão ao Ginásio, com 3a. colocação, e entrei no Colégio Nossa Senhora das Dores, onde fiz a primeira e a segunda série ginasial, nos anos 70 e 71. Em 1970 houve aquela Copa do Mundo no México onde o Brasil foi Tri Campeão, mas o que eu lembro mesmo foi de um Gre-Nal que o Grêmio ganhou de 3X1 do colorado onde o baixinho Caio fez dois gols de cabeça, o argentino Scotta fez um e o Everaldo fez gol contra, em 71. Gremista, comecei a frequentar o Estádio Olímpico com seis anos, em meados dos anos 60, junto com meu pai. O Olímpico era lugar mítico e fascinante.
aniversário de 15 anos da 
Soraya, em 1975.
     Morávamos no apartamento do meu avô Manssur, na rua Riachuelo 1521. Moravam conosco dois primos da minha mãe - Dalva e Zézinho. Ela tinha vindo de São Paulo e ele do Rio de Janeiro. O casamento dos meus pais chegou ao fim, foi um período difícil e eu fui terminar o ginásio na escola pública - Colégio Estadual Pio XII, ali nos fundos do Palácio do Governo, na rua General Auto, onde fiquei até 1974. O início foi muito difícil, mas consegui boa integração e conheci pessoas que mantenho contato até hoje. Em 1975 entrei na Escola Técnica Parobé, curso de Eletrotécnica. Ali permaneci até 1977. Naqueles anos o conteúdo do curso técnico era realizado no Parobé e o do Científico (2o.Grau), no Colégio Júlio de Castilhos. Foi neste período que dei meus primeiros passos no Movimento Estudantil. O Brasil atravessava tempos difíceis e era necessário protestar e lutar contra a Ditadura Militar, com greves e muito esforço. Por conta disto, só conclui o 2o.Grau durante o verão de 1978, e meu Certificado de Conclusão foi emitido pelo Colégio Estadual Pio XII, em razão da intransigência e do autoritarismo da diretoria do Parobé em negar a emissão do Certificado, numa história contada num capítulo em separado, pois tenho tudo documentado.
formandos turismo puc-rs agosto, 1987.
     Graças ao autoritarismo e pela falta de documentos - o Parobé tentou cassar o Certificado emitido pelo Colégio Pio XII, eu não consegui ingressar na faculdade em 1978, o que só foi possível em julho de 1979, no Curso de Direito da Faculdade Ritter dos Reis. Depois de passar anos estudando eu descobri que minha vocação para ser advogado era mínima - ou nenhuma, e - em janeiro de 1984, ingressei na PUC no Curso de Turismo, através do concurso vestibular, sob os protestos da minha família. O fato é que fui muito feliz ali e, em agosto de 1987 eu estava colando grau como Bacharel em Turismo. Algumas amizades construídas nesta época guardam saudades, outras duram até hoje. Algo que proporcionou muita emoção foi ser escolhido para ser Orador da turma na cerimônia de colação de grau.
     Meu avô Manssur foi um personagem importante na minha vida, ajudando muito o início da carreira profissional. Com ele tive meu primeiro contato com o trabalho. De modo geral, na minha família valorizava-se demais o trabalho, visto não só como instrumento de promoção do sustento, mas também como uma espécie de certidão de caráter. Através do meu avô, tive condições de alcançar empregos e atividades profissionais com boa remuneração. Fui corretor de imóveis no tempo de estudante e por ter uma pequena parte na sociedade de uma construtora e incorporadora imobiliária, cheguei a diretor comercial. Ocorre que tenho esta mania que querer ser feliz no que faço e, se aquele trabalho me trazia uma grana razoável, também me trazia a estranha sensação de não estar feliz com o trabalho. Ora, se o trabalho é o que tenho de mais importante na vida, deve servir para prover meu sustento e construir felicidade. Assim, ao final de 1984, aproveitando a reestruturação da empresa, vendi minha conta na sociedade e fui atrás do que poderia me trazer felicidade.

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continua noutro dia...


7 comentários:

Unknown disse...

Olá Marcus! Belo post, parabéns! Fiquei muito admirado com as fotos antigas, especialmente estas da praia. Era realmente de Balneário Gaivota, SC? Sou de Sombrio. Esta foto tem um valor histórico muito grande para nossa gente. São raríssimas. Você tem mais? Meu e-mail: titasilveira@yahoo.com.br. Abraços, João.

Marcia disse...

Olá Marcus...
Procurando fotos antigas dos Bairros Teresópolis e Nonoai, encontrei teu Blog.
Por coincidência, a Professora Cely, foi minha professora no Grupo Escolar Dr Victor de Britto e o Claudio, meu colega de aula.
Conhecestes então a "Quinta das Palmeiras"? Casarão situado na rua Dario Totta.
Terias fotos da referida casa?
Desculpe o "abuso", mas já procurei e não encontro nada à respeito.
Nasci e me criei no bairro Nonoai e sempre tive uma certa admiração e curiosidade por esta residência.
Grata pela atenção
Marcia

Ps: Parabéns!!! Belissimo Blog

Marcus Vinicius Anflor disse...

Márcia, o casarão era chamado de "bica" porque pertencia à família Bicca, e minha casa era bem em frente.

Marcia disse...

Olá Marcus...
Desculpe, mas só hoje vi tua postagem. Obrigado pela atenção.

Unknown disse...

Boa tarde Marcus
Nossa!!! Que coincidência.
Fiquei até arrepiado quando li.
Nasci no Hospital São Manoel na Av. Independência em 1963. Logo em seguida fui para minha primeira residência: a casa da minha avó paterna que localizava-se na Praça Guia Lópes ao lado da Divina Providência, onde fiz o Jardim da Infância. A casa da minha avó depois virou oficina mecânica Pedrocar. Também fui batizado e fiz a primeira comunhão na Nossa Senhora da Saúde. Meus pais moraram na casa da minha avó nos três primeiros anos de casado. Ai vem o mais incrível da coincidência: Quando meu pai teve condições financeiras de pagar o próprio aluguel foi morar numa casa de madeira nos fundos da casa do Seu Erasmo e Dona Edith. A casa era a última e tinha dois quartos, sala, cozinha e banheiro. Tenho apenas um irmão mais velho um ano e brincávamos na Rua Dário Tóta e na Praça Guia Lópes. Moramos lá de 1965 a 1968, quando nos mudamos para Viamão. Mas em 1971 voltamos para Teresópolis. Desta vez fomos morar na Silvério Souto, mas continuamos frequentando a Guia Lópes. Eram os anos 70 e meu pai trabalhava no porão da igreja Nossa Srª. da Saúde, em baixo da sacristia. O Monsenhor cedia para ele a sala de graça. À noite o Monsenhor guardava o Plymouth preto na salinha.
Um abraço

Marcus Vinicius Anflor disse...

Lino, Boa Noite! Realmente incrível, vc foi morar na casa da Dário Totta, exatamente quando saímos e fomos morar um pouco mais adiante, na mesma rua, número 270. Em dezembro de 65 mudamos para Passo Fundo. Ainda guardo amizades nascidas naquela rua do velho e querido bairro Teresópolis. Mas, satisfaça minha curiosidade: Como foste me encontrar aqui?

Unknown disse...

Olá, Marcus. Que bom, extremamente gratificante ler esses relatos no teu blog. Nasci na Av.Quarai, e morei lá até os 24 anos, quando passei no concurso do Banco do Brasil e fui trabalhar em Palmeira das Missões.
Hoje aposentado, resido em São Jerônimo. Também fui batizado e fiz a primeira comunhão na Igreja N.Sra.da Saúde, estudei no Vitor de Brito, Julinho e Protásio Alves. Andei muito nos Teresópolis e nos Pedreira, velhos bondes gaiola, "de guerra".Fui à muitas seções no Cinema Teresópolis. Certa feita, lá estava o imortal Mazaropi, em carne e osso, lançando o "Casinha Pequenina ". Obrigado e abraço!