02/11/2014

O Menino da Marcílio Dias

      Não lembro exatamente o dia, mas foi em 1985 e eu estava esperando a Rosane em frente ao prédio do CPD da Caixa Federal, na Marcílio Dias. Ela trabalhava até a noite e íamos viajar, era sexta-feira - véspera de um grande feriadão, e estava chovendo.
      De repente um homem bateu levemente no vidro do meu carro para chamar minha atenção. Sentando ao volante, observei um menino na altura do meu rosto me observando com seus olhos tristes e a carinha manchada de pingos de tinta branca e um pouco de sujeira escorrendo nas bochechinhas com a água da chuva que, tocada pelo vento, teimava em enganar o surrado guarda-chuva que mal abrigava o homem e a criança.
      Abri o vidro e o homem pediu algo como os cinco reais de hoje, porque precisava ir até o bairro Restinga, onde morava, e não tinha grana suficiente para o ônibus dele e do menino. Por ele iria a pé, mas não queira cansar o garoto, seu filho, que tinha vindo com ele durante a semana para aprender o oficio de pintor, trabalho com que o homem sustentava sua numerosa família.
      Estava sem grana porque ficara pintando um grande apartamento no final da Getúlio Vargas e o patrão, dono da imobiliária ali da esquina da Getúlio com a Marcílio, não o tinha podido esperar para pagar a semana de trabalho. O patrão era um homem bom, trabalhava para ele por anos e lhe avisara que não chegasse tarde porque tinha pressa em viajar no feriadão com a família. Por certo demorou muito e o patrão viajou. Agora estava sem o dinheiro suficiente para ir para casa e não queria sacrificar o garoto indo a pé até o bairro Restinga com aquela chuva toda.
     Ao ouvir aquela história e observando os olhos famintos do menino, abri a carteira, também saindo para viajar e aproveitar o feriadão, estava com muitas notas dentro, mas nenhuma nos cinco reais que o homem precisava. Revirei os bolsos e o porta-luvas, mas apenas notas de cinquenta e de cem eu encontrei. Tomado por um sentimento estranho e, sem desviar meus olhos dos olhos do menino, ofereci uma nota de cinquenta, que o homem prontamente recusou, desculpando-se, porque necessitava apenas completar a passagem do ônibus no valor de cinco reais. Eu retruquei dizendo que ele poderia fazer umas compras e levar para casa, para preparar um jantar em família. A chuva ficou mais forte, e o homem recusou novamente, agradecendo e desculpando-se pelo incomodo que estaria a me causar. Ele somente precisava completar o dinheiro da passagem e depois, não queria que o filho aprendesse a pedir, mas sim a receber pelo trabalho honesto.
       Eu sai do carro e insisti, agora argumentando que seria ruim para o menino aquela hora da noite e com chuva, estar ao desabrigo. O menino abraçou a cintura do pai, assustado, e o homem, já irritado comigo, perguntou porque eu estava querendo humilhá-lo na frente do filho. Ele só tinha me pedido algum recurso solidário para completar a passagem, não precisava do meu dinheiro para dar comida à sua família, porque trabalhava e recebia para tanto, e o menino estava aprendendo isto.
      Argumentei que seu patrão não o tinha esperado e pagá-lo pelo seu trabalho e que este dinheiro que oferecia seria, então, um empréstimo. Na outra semana eu viria receber. O homem recusou novamente o dinheiro, pois o patrão era um bom homem, só o tinha esquecido naquele dia porque era um homem muito ocupado e, como eu estava fora do carro e era mais alto que ele, num gesto brusco protegeu seu filho atrás do seu corpo, fechou o guarda-chuva, e adotou posição de defesa, como se eu fosse atacá-lo. O menino continuava a me olhar fixo, com seus olhos tristes e agora com medo. Acometido por uma emoção que nunca havia experimentado, me vi na chuva, molhado e oferecendo meu dinheiro ao homem.
      Peguei toda a grana que tinha carteira e lhe ofereci, já xingando - aos berros, o homem que, ao meu ver, não estava cuidando bem do seu filho. Pois o sujeito bateu na minha mão jogando meu dinheiro no chão encharcado, virou as costas e afastou-se já me criticando, ameaçadoramente, recusando meu dinheiro e me chamando de maluco.
      A Rosane vinha saindo com seus colegas e vendo a cena, inicialmente pensaram tratar-se de um assalto. Vieram socorrer. Eu estava chorando e não conseguia explicar o que tinha acontecido. Não viajei mais no feriadão e passei aqueles dias calado, sem conseguir entender o que tinha acontecido. Mas, passados trinta anos eu não consegui, por um momento que seja, esquecer o olhar triste daquele menino.

19/08/2014

Federico García Lorca

Após a eclosão da Guerra Civil Espanhola, o poeta e dramaturgo Federico García Lorca sai de Madrid e dirige-se para Granada, onde, supostamente, estaria mais protegido da implacável perseguição que lhe é imposta pelos reacionários e conservadores. Lorca era inimigo dos fascistas que tentavam um golpe de estado e, além disto, numa Espanha católica, sua homossexualidade não era bem vista. Vítima de denúncia anônima, Lorca é sequestrado num dos famosos “paseos”” promovidos pelos fascistas, já no início da guerra civil. Foi preso e assassinado, e  seu corpo jogado numa vala comum em Sierra Nevada.

Em 16 de julho de 1936, Lorca foi à Granada ver a impressão de seu novo livro de poesias ‘Diván del Tamarit’ pela Universidade local. Em 17 de julho, estoura o movimento militar-falangista contra a República e uma das primeiras notícias trágicas a abalar o mundo é a morte de Federico García Lorca. O General Franco, à frente dos fascistas, dava início à sangrenta guerra civil espanhola. 

Apesar de nunca ter sido comunista - mas um socialista convicto que havia se posicionado em defesa da República - Lorca, então com 38 anos, foi denunciado por um deputado católico direitista, por ódio ou vingança pessoal, que justificou sua prisão sob a alegação de que ele era "mais perigoso com a caneta do que outros com o revólver" e pego na casa de um amigo. O poeta foi arrancado de sua prisão na madrugada do dia 19 e levado ao lugar do sacrifício nas ladeiras da serra. 

Nessa época, suas peças teatrais "A casa de Bernarda Alba", "Yerma", "Bodas de sangue", "Dona Rosita, a solteira" e outras, eram encenadas com sucesso. Sua execução, com um tiro na nuca, foi mais um assassinato cruel que bem demonstra o tipo de pensamento que norteia os fascistas.

07/08/2014

Viajar de trem? No Brasil?

Viajar de trem entre Vitória (ES) e Belo Horizonte (MG), com todo o conforto e comodidade, numa ferrovia que está em funcionamento desde 1907, transportando cerca em torno de um milhão de passageiros ao ano, percorrendo - em 13 horas,  664 quilômetros de regiões de incríveis paisagens e significado histórico. Tem vagão lanchonete, vagão restaurante, vagão exclusivo para portadores de necessidades especiais, ar-condicionado no carro executivo e serviço de bordo e as tarifas são menores que no ônibus, sem falar na segurança de viajar numa ferrovia que nem se compara com a mortandade verificada nas rodovias. E existe também a classe executiva. Percurso diário nos dois sentidos. Ver mais em http://migre.me/kUwEE

30/07/2014

A Maldição de Malinche

No inicio de 1519 quando a armada espanhola - sob o comando de Hernán Cortéz, chegou às praias mexicanas, os chefes aztecas logo trataram de presentear o importante chefe com algumas preciosidades, incluindo aí, vinte jovens meninas escravas  aprisionadas pelos aztecas à outros povos por eles dominados. Dentre estas jovens estava Marina, (ou Malintzin, ou ainda, Malinche, em espanhol). A jovem era muito bonita e logo tornou-se amante de Hernán Cortéz, que descobriu muito mais valores do que a beleza naquela mulher. Pela sua origem nobre entre os Toltecas conquistados pelos Aztecas - ela era muito culta e falava os vários idiomas dos diversos povos do novo continente. Pela sua facilidade com as línguas, rapidamente aprendeu o espanhol, tornando-se - além de namorada do comandante, peça muito importante na conquista daqueles povos. 


Os espanhóis conseguiram muitos aliados com o trabalho de Malinche contra os poderosos Aztecas. O talento para a negociação era uma característica marcante da bela jovem, que ajudou os espanhóis na tentativa de, a princípio, estabelecer relações amigáveis com o império Azteca e a conquistar aliados entre outros povos indígenas explorados pelos próprios aztecas, como os cempolanos - os primeiros índios a se juntarem aos espanhóis na guerra com os aztecas, e Malinche foi hábil em conquistar o apoio de milhares de guerreiros de diversas etnias indígenas, sem os quais a conquista espanhola teria levado muito mais tempo para acontecer. 


Malinche teve um filho com o espanhol Cortéz, batizado Martín Cortéz, que tornou-se oficial da armada espanhola e chegou a ser Comendador da Ordem de São Tiago. É conhecido como o "primeiro mexicano" por representar o início da miscigenação na América. Mais tarde, em 1548, este mestiço foi executado no garrote vil, sob a acusação de conspiração contra o Vice-Rei. 

A história desta mulher e toda a tragédia que a envolve, tornando-a símbolo da miscigenação no continente, aliada à extrema fidelidade dela à seu senhor, deu origem ao mito da "Maldição de Malinche", que passou a expressar a situação de dominação e subordinação dos mexicanos - por extensão, os povos originários do continente americano, a interesses estrangeiros, a partir da "traição" de Malinche.

Em 1973, o compositor Gabino Palomares escreveu a obra "Maldición de Malinche", imortalizada na voz da intérprete, também mexicana e descendente de aztecas, Amparo Ochoa:

Para ver e ouvir o clipe: http://youtu.be/eyUwolkWINk

Del mar los vieron llegar
mis hermanos emplumados
Eran los hombres barbados
de la profecía esperada
Se oyó la voz del monarca
de que el dios había llegado.
Y les abrimos la puerta
por temor a lo ignorado.

Iban montados en bestias
como demonios del mal
Iban con fuego en las manos
y cubiertos de metal.
Sólo el valor de unos cuantos
les opuso resistencia
Y al mirar correr la sangre
se llenaron de verguenza.

Porque los dioses ni comen
ni gozan con lo robado
Y cuando nos dimos cuenta
ya todo estaba acabado.
Y en ese error entregamos
la grandeza del pasado
Y en ese error nos quedamos
trescientos años esclavos.

Se nos quedó el maleficio
de brindar al extranjero
Nuestra fe, nuestra cultura,
nuestro pan, nuestro dinero.
Y les seguimos cambiando
oro por cuentas de vidrio
Y damos nuestras riquezas
por sus espejos con brillo.

Hoy, en pleno siglo veinte
nos siguen llegando rubios
Y les abrimos la casa
y les llamamos amigos.
Pero si llega cansado
un indio de andar la sierra
Lo humillamos y lo vemos
como extraño por su tierra.

Tu, hipócrita que te muestras
humilde ante el extranjero
Pero te vuelves soberbio
con tus hermanos del pueblo.
Oh, maldición de Malinche,
enfermedad del presente
¿Cuándo dejarás mi tierra..?
¿cuándo harás libre a mi gente?


Tradução:

Do mar os viram chegar
Meus irmãos emplumados
Eram os homens barbados
Da profecia esperada
Se ouviu a voz do monarca
De que o deus havia chegado
E lhes abrimos a porta
Por temor ao ignorado

Iam montados em bestas
Como demônios do mal
Iam com fogo nas mãos
E cobertos de metal
Só o valor de uns quantos
Lhes opôs resistência
E a olhar correr o sangue
Se encheram de vergonha

Porque os deuses nem comem
Nem gozam com o roubado
E quando nos demos conta
Já estava tudo acabado
E em esse erro entregamos
A grandeza do passado
E em esse erro nós ficamos
Trezentos anos escravos

Só nos ficou o malefício
De brindar ao estrangeiro
Nossa fé,nossa cultura
Nosso pão,nosso dinheiro
E lhes seguimos trocando
Ouro por contas de vidro
E damos nossas riquezas
Por seus espelhos com brilho

Hoje,em poleno século vinte
Nos seguem chamando loiros
E lhes abrimos a casa
E lhes chamamos amigos
Mas se chega cansado
Um índio de andar a serra
O humilhamos e o vemos
Como estranho por sua terra

Tu,hipócrita que te mostras
Humilde ante o estrangeiro
Mas te voltas soberbo
Com seus irmãos do povo
Oh,maldição de Malinche
Enfermidade do presente
Quando deixarás minha terra?
Quando farás livre a minha gente?

21/07/2014

The Clash

The Clash. Banda inglesa de punk rock, formada em 1976 como parte da primeira onda do punk britânico (em 1977), foi além do punk, experimentando outros gêneros musicais como reggae, ska, dub, funk, rap e rockabilly. A banda formou, na maior parte do tempo, com Joe Strummer (vocalista principal, guitarra rítmica), Mick Jones (guitarra principal, vocal de apoio e vocal principal em algumas canções), Paul Simonon (baixo, vocal de apoio e ocasionalmente vocais principais) e Nicky "Topper" Headon (bateria, percussão). Headon deixou o grupo em 1982 e atritos internos resultaram na saída de Jones no ano seguinte. O grupo acabou no início de 1986.

The Clash foi grande sucesso no Reino Unido a partir do lançamento de seu primeiro - The Clash, em 1977. Com o terceiro álbum do grupo, London Calling, lançado no Reino Unido em dezembro de 1979, atingiu grande popularidade nos Estados Unidos nos primeiros meses de 1978, quando lançado no mercado norte-americano. Aclamado pela crítica, foi considerado o melhor álbum dos anos 1980 na década seguinte pela revista Rolling Stone.
Com letras politizadas, muita experimentação musical e atitude rebelde, a banda The Clash exerceu significativa influência no rock, principalmente no rock alternativo, recebendo a alcunha comercial da CBS, gravadora original do grup, "a única banda que importa". Em janeiro de 2003, foram incluídos no Rock and Roll Hall of Fame. Em 2004, a Rolling Stone classificou o Clash como trigésimo maior grupo musical de todos os tempos.

Com letras engajadas, como a maioria das músicas do The Clash, a letra de "Straight to Hell" condena a injustiça. O primeiro verso refere-se à desativação das siderúrgicas no Norte da Inglaterra e à alienação e ao racismo sofrido pelos imigrantes apesar de suas tentativas de integrarem-se à sociedade britânica. O segundo verso diz respeito ao abandono de crianças no Vietnã, as quais eram filhas de soldados americanos da Guerra do Vietnã. O terceiro verso contrasta o sonho americano visto pelos olhos das crianças amerasiáticas com uma visão deturpada da realidade americana. O verso final considera a condição dos imigrantes ao redor do mundo.

A referência aos "Amerasian Blues" descreve o abandono de crianças filhas de soldados americanos alojados em bases no Vietnam, durante a guerra do Vietnam. Parte da letra está escrita com base nas palavras de uma dessas crianças mostrando uma fotografia de seu pai americano ausente, com ela e sua "Momma-Momma-Momma-san". O apelo da criança é rejeitado. "-San" é um honorífico japonês ao invés de vietnamita, mas foi usado por tropas americanas no Vietnã para referir-se aos homens e mulheres vietnamitas, especialmente os mais velhos, como "mama-san" e "papa-san". Quando Strummer canta sobre um "Volative Molotov" a imigrantes porto riquenhos em Alphabet City como uma mensagem para encoraja-los a ir embora, ele refere-se ao incêndio criminoso que tomou construções ocupadas por comunidades de imigrantes - de maioria portoriquenha - antes que a área virasse alvo de gentrificação. Devido a este material muito subjetivo, com batidas lentas, esta é uma das músicas mais lentas da história do Clash. A música, que possui por volta de sete minutos na versão integral (presente no box Clash on Broadway) utiliza um fundo em violino, o que a diferencia das demais músicas do Clash.

A música da banda sempre foi carregada de ideologia política. Joe Strummer, em particular, foi um militante engajado. O Clash é a banda pioneira na defesa da política radical no punk rock, sendo seus membros conhecidos como os "bagunçeiros pensantes" por expressarem ponto de vista político diferente do anarquismo. Assim como a maioria das primeiras bandas de punk, o Clash protestava contra a monarquia e a aristocracia. Mas, ao contrário destas, o Clash rejeitou o niilismo. Ao contrário, eles se solidarizaram com diversos movimentos de libertação da época, tendo participado ativamente de grupos como a Anti-Nazi League (Liga Anti-Nazista). Em abril de 1978, o Clash foi a principal atração do show Rock Against Racism no Victoria Park em Londres, que teve o comparecimento de 80.000 pessoas. No show,  Strummer se apresenta vestindo uma polêmica camiseta com as palavras "Brigate Rosse" e o emblema da facção Baader-Meinhof estampadas no centro. Porém, na canção "Tommy Gun", o grupo renuncia à luta armada.

A visão política da banda foi expressa em canções como "White Riot", que encorajava os jovens brancos a entrarem para organizações que defendem os direitos dos negros; "Career Opportunities", que tratava da alienação dos mal-pagos, dos trabalhos rotineiros e o descontentamento com a falta de alternativas no mercado de trabalho; e "London's Burning", que falava da desolação e do tédio no interior da capital britânica. A artista Caroline Coon, asssociada à cena punk, argumentou que "estas fortes canções militaristas eram o que precisávamos durante o começo do Thatcherismo". Os interesses políticos da banda aumentaram em gravações posteriores. O título de Sandinista! celebrava os rebeldes de esquerda que haviam derrubado o déspota nicaragüense Anastasio Somoza, e o álbum era preenchido com canções politicamente orientadas que se estendiam para muito além das costas britânicas: "Washington Bullets" abordava as operações militares secretas ao redor do globo, enquanto "The Call-Up" era uma reflexão sobre a política de conscrição dos Estados Unidos. A faixa "Straight to Hell" de Combat Rock foi descrita pelos críticos de música Simon Reynolds e Joy Press como uma "volta ao mundo em guerra cinco versos pelas zonas de inferno onde crianças-soldados definham".

A ideologia política da banda reflete sua resistência às motivações da indústria musical que visavam o lucro. Mesmo no auge do sucesso, os preços de ingressos para shows e lembranças eram razoáveis. O grupo insistiu para que a CBS vendesse seus álbuns duplo e triplo London Calling e Sandinista! pelo preço de um único álbum cada (cerca de cinco libras esterlinas na época), obtendo êxito com o primeiro e se comprometendo a vender o segundo por £5,99 e concedendo todos os direitos de shows até que as primeiras 200.000 cópias fossem vendidas. Estes princípios lhe garantiram estar sempre em dívida com a CBS, só atingindo a independência financeira em 1982.

Clipe da música Straight to Hell: http://youtu.be/XdUtborIaiU

05/07/2014

A Costa Rica



Que país é este, sensação da Copa das Copas, no Brasil? A Seleção da Costa Rica saiu do grupo da morte como primeira colocada, vem da América Central e, além do futebol que apresentou, distribuiu simpatia e felicidade.

A Costa Rica está localizada no coração da América Central, limitado ao norte pela Nicarágua, com 309km de fronteira, a leste pelo mar do Caribe, com 212 km de litoral, a sudeste pelo Panamá, em 639km de fronteira e a oeste pelo Oceano PAcífico, mais 1016km de litoral e inclui também a , a 480km da costa. A Ilha do Coco foi declarada Patrimônio Natural da Humanidade pela Unesco em 1997. O país tem um território de 51.00km quadrados.

A capital é San José, situada na zona das cordilheiras, e o país todo está situado numa das zonas mais estreitas do subcontinente, com seu território, praticamente constituído por um conjunto de cordilheiras escarpadas que atravessam o país de noroeste para sudeste, as Cordilheiras de Guanacaste e Talamanca, ladeadas por planícies costeiras de largura variável, sendo que as maiores são a do nordeste e o largo vale do rio Tempisque, a noroeste. A maior distância entre leste e oeste tem menos de 650km e de norte ao sul, não chega a 245km. 

As montanhas estão semeadas de vulcões, alguns ainda ativos, e atingem a máxima altitude no Cerro Chirripó, com 3810m. O clima é tropical e subtropical. Existe uma estação seca de Novembro a Abril e uma estação chuvosa entre Maio e Outubro. Cerca de 30% do país está coberto por floresta tropical úmida a leste e seca a oeste.
Considera-se a Costa Rica como um dos países democráticos mais consolidados das Américas, e é o único país da América Latina incluso na lista das 22 democracias mais antigas do mundo.  O país aboliu o exército em 1949, após ter vivido os traumas do golpe de estado e da guerra civil, e hoje ocupa o quinto lugar à nível mundial na classificação do Índice de Desempenho Ambiental de 2012 e o primeiro lugar entre os países do continente americano. Seu Índice de Desenvolvimento Humano é o sétimo melhor da América Latina e o segundo da América Central. Em 2010 o PNUDdestacou que a Costa Rica está entre os poucos países que tem alcançado um maior desenvolvimento humano comparado com outros países ao mesmo nível de receita per capita. O Planejamento Estratégico inclui o objetivo de, em 2021, tornar-se o primeiro país do mundo neutral em carbono. Será comemorado, naquele ano ou bicentenário como país independente. Segundo a Fundação Nova Economia (FNE), desde 2012 Costa Rica ocupa o primeiro lugar no Índice do Planeta Feliz (HPI).
 
 Cristóvão Colombo chegou à Costa Rica em sua quarta viagem à América em 1502, encontrando cerca de trinta mil indígenas, divididos em três grupos: güetares, chorotegas e borucas. O ciclo da colonização espanhola iniciou com Bartolomé Colombo, irmão do Cristóvão, assim que foi descoberto ouro, mas os espanhóis só conquistaram de fato a região a parir de 1530. Recebendo o nome de Nova Cartago e tornou-se província da Guatemala em 1540. A independência chegou somente em 1821.

As florestas da Costa Rica possuem ricas reservas de ébano, balsa, caoba e cedro, além de carvalho, ciprestes, manglares, helechos, guácimos, ceibas e palmas. O país conta com mais de 1000 espécies de orquídeas, sendo Monteverde (no centro do país) a região com mais densidade de orquídeas do planeta. Ao todo a Costa Rica abriga mais de 10.000 espécies de plantas, com abundância de animais selvagens e umas 850 espécies de aves. Vinte e cinco por cento do território está protegido. A Costa Rica é o país com maior variedade de flora e fauna de toda a América Central e dá abrigo para cerca de 230 espécies de mamíferos, 830 espécies de aves, 180 espécies de anfíbios, 260 espécies de repteis e 130 espécies de peixes de água doce.


O Rio Savegre, localizado em San Isidro do General é o rio mais limpo do continente Americano. A Costa Rica chega a ter atualmente 5% (cinco por cento) da biodiversidade do mundo inteiro, o que é bastante significativo pelo tamanho da nação.

A economia da Costa Rica é baseada no turismo e na agricultura e exportações de produtos eletrônicos. A economia emergiu de uma recessão em 1997 e, desde então, tem crescido a taxas de 5 a 6% ao ano. O turismo tem base no patrimônio natural, e é o principal produto de exportação e o maior peso no PIB, onde representa mais de 7%, empregando um em cada 13 trabalhadores ativos, gerando uma renda per capita beirando os U$10mil. Ah, 95% da população de 4,5 milhões de habitantes é alfabetizada. 

Em 2008, dois milhões de turistas deixaram mais de 2,2bilhões de dólares no país. A moeda é o Cólon que é trocado por cerca de 660 X USD 1,00 ou 750 X EUR 1,00 n o câmbio local. Em 2014, - ano da Copa no Brasil, a Costa Rica irá receber mais de 4 milhões de turistas. Ou seja, a cada dez anos, mais do que dobra o número de visitantes.

Na classificação do índice de Competitividade em Viagens e Turismo de 2011, a Costa Rica ficou no 44º lugar em nível mundial e em segundo na América Latina, ficando atrás somente do México.


22/05/2014

O Negro do Grêmio

Originalmente publicado por: Fábio Mundstock, Pesquisador

102 anos do 1º negro no Grêmio

O 1º clube de Porto Alegre a adotar negros nos seus quadros foi o Grêmio. Antes de Tesourinha, mais de duas dezenas de jogadores negros passaram pelo clube. Abaixo texto do pesquisador Fábio Mundstock publicado no centenário do evento em 19/05/2012.

O Centenário do Primeiro Negro com a Camisa Gremista


O dia 19 de maio de 2012 é uma data histórica!
 

Há exatos cem anos o ground da Baixada encontrava-se alagado, mas naquele domingo cinzento, todos queriam jogar. As longas caminhadas que os jovens faziam para poderem desfrutar de momentos esportivos com uma pelota encantava a todos na cidade, não importava se estes se deparavam com um pouco de barro ou algumas poças d'água num campo de futebol.
 

As equipes do Grêmio, o Porto-Alegrense da época, haviam acertado duas partidas contra o Nacional, a partida inicial - conhecida hoje como preliminar- seria disputada pelo "segundo quadro" e a partida principal valeria para o campeonato da Liga Porto-Alegrense.
 

O estado do gramado chegou a ser motivo de discussão devido aos adiamentos das partidas. Uma resolução permitiria então, a transferência dos jogos para o domingo seguinte. No entanto, o capitão do segundo quadro do Nacional exigiu que a partida fosse realizada.
 

Então, de comum acordo, o Sr. Mendonça, juiz do Internacional, escolhido para os matches daria condições para que as partidas se realizassem.
 

A primeira partida terminou com resultado de 9x2 para o Grêmio e a segunda com o placar de 8x0, mesmo com a interrupção aos 28 minutos da segunda etapa, devido falta de luz natural.
 

Mas não são os scores, muito menos a partida principal o foco deste texto.
 

A equipe que entrou em campo na partida preliminar era formada basicamente por jogadores, associados do clube do ano vigente e do ano anterior (1911 e 1912). E lá estava ele: Antunes.
 

Antunes não foi apenas um dos jogadores a vencer o Nacional, mas sim, o primeiro negro a vestir a camisa do Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense.
 

Segundo meus estudos, seu nome completo seria Armando Luiz Antunes, um negro, associado do Grêmio, o maior clube da cidade.
 

É complexo definir uma raça, definir o branco, o mulato, o pardo, o negro. No passado, o homem de raça escura buscava no "branqueamento", no disfarce da cor, uma ascensão social. Para a sociedade da época, ser branco era ser superior. Um grande erro, provado durante o curso da história.
 

Hoje, a mudança da sociedade faz com que o branco queira ser negro, muitas vezes, para entrar na disputa pelas cotas nas universidades, para sentir-se como a maioria do povo brasileiro.
 

Não há certo, nem errado, há uma mudança de pensamento da sociedade, estamos mais flexíveis com relação às alterações sociais.
 

É importante perceber que quando o futebol foi criado, a comunidade escravocrata não estava inserida no contexto social. O esporte foi criado e praticado por brancos, ingleses, europeus e posteriormente, pelo povo brasileiro. Aqui no Rio Grande do Sul, o primeiro clube surgiu em 1900, o Sport Club Rio Grande; e a abolição da escravatura não tinha ainda nem completado duas décadas. Mesmo com esta transição lenta, como é comum em qualquer sociedade, o Bangú já ousava ao escalar o seu primeiro homem "de cor" em 1905.
 

Aos poucos, o Bahia, o Vasco da Gama e o Fluminense quebravam o preconceito em relação às raças. Em 1914, um negro chamado Carlos Alberto maquiava-se com "pó de arroz" e vestia a camisa do Fluminense, tentando disfarçar sua cor.
No Rio Grande do Sul, um Estado colonizado basicamente por alemães e italianos, a inclusão era ainda um processo mais lento e complicado. Mas já mostrávamos sinais de mudanças, exemplo disso seria o time do Guarany de Bagé, campeão estadual de 1920, que mantinha negros e uruguaios na sua equipe.
 

Os negros começaram a organizar as suas ligas para poder jogar futebol. Em Porto Alegre foi criada a liga independente dos "Canelas Pretas", após o ano de 1910. Uma década depois, em Pelotas, era formada a liga "José do Patrocínio"; já em Rio Grande formava-se a liga "Rio Branco".
 

Em 1928, o Americano rompeu o preconceito, com Alegrete e Barulho; posteriormente o Internacional, com Dirceu Lopes; logo após, o Cruzeiro e o São José foram incluindo os negros nos seus plantéis. Mas os negros eram tolerados e não aceitos de forma ampla.
No Grêmio, a lenda do Tesourinha foi uma das maiores jogadas de marketing do futebol gaúcho. Tesourinha não foi o primeiro negro a vestir a camisa tricolor, mas ele era a pessoa certa para quebrar este paradigma.
 

Tesourinha era negro, simplesmente o maior jogador que já havia passado por aqui, estava jogando no Vasco da Gama, em idade avançada e louco para voltar ao Rio Grande do Sul. O bom relacionamento dos dirigentes do Grêmio com os dirigentes do Vasco da Gama, a instauração de uma nova era, a transição do velho estádio da Baixada para o novo estádio Olímpico eram os pontos fundamentais para a extinção do paradigma de racismo no clube germânico.
 

Mas antes de Tesourinha, desfilaram mais de duas dezenas de negros. Laxixa, Mário Carioca, Hélio, Prego, Jorge, Hermes Conceição. Antes do primeiro negro vestir a camisa colorada, Maldonado, Saraiva, Silva, Neco e Adão Lima já haviam suado muitas camisas tricolores e conquistado muitas vitórias.
 

Os "filhotes do Grêmio" - hoje considerada uma espécie de categorias de base - possuíam na sua equipe da década de 20 vários jogadores negros.
 

Mas, ironicamente, um clube considerado racista por muitos até hoje, é um clube popular e pioneiro.
 

Falar que o Grêmio é um clube racista é, no mínimo, não ser conhecedor de sua gloriosa história.
 

O Grêmio possui a maior torcida do Estado, e consequentemente, a maior parcela de negros na sua torcida. O autor do terceiro hino tricolor, vigente até hoje, era negro. A única estrela constante na bandeira tricolor é em alusão a um negro, Everaldo. E cabia ao Grêmio ter em seu quadro associativo um negro, há exatos cem anos.
 

Naquele dia histórico, Bowel, Deppermann, Geyer, Py, Ely, Bento, Correa, Antunes, Gertum, Chico e Carlos mostraram a grandeza do Grêmio e aplicaram 9 gols no Nacional. Carlos (4), Correa (4) e Ely "cravaram" na história o orgulho de ser gremista e modelo para os demais clubes.
 

Parabéns Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense.


Fotos das equipes de 1914 e 1915.














Fábio Mundstock
Pesquisador

29/04/2014

A metáfora do Granma e o dilema da esquerda


o iate Granma - foto de Pettersen Filho, 1956
Reza a lenda que durante a travessia do Granma, barco que, em 1956, conduziu, do México ao litoral de Cuba, 82 guerrilheiros que iniciariam a grande jornada até a vitória da Revolução em 1959, um deles, à noite, caiu no mar. Grande discussão se fez a bordo. Alguns opinavam que o desembarque não poderia sofrer atraso, sob pena de serem apanhados pela repressão. Em nome da causa se impunha o sacrifício do companheiro e coisa e tal. Fidel se opôs argumentando que a Revolução se faria para salvar vidas e seria um contrassenso e grave erro ético, abandonar o náufrago ao infortúnio. A final do processo de discussão o companheiro foi resgatado. Não se tem provas de que a Revolução tenha atrasado seu curso ou que a chuva de balas e o bombardeio que esperaria aquele grupo no desembarque na praia tenha sido causada pelo atraso na busca do companheiro naufragado, mas o gesto em si impõe, historicamente, a máxima do processo revolucionário socialista a que Cuba ainda é o principal estandarte: a solidariedade. 

coluna guerrilheira avança sobre Havana, dezembro'1958
Aqueles vinte e poucos revolucionários que sobreviveram ao ataque no desembarque conseguiu resistir e sobreviver solidariamente e, vinte e cinco meses depois iniciaria o mais duradouro movimento ideológico-revolucionário da história da humanidade, solidificando a solidariedade como seu principal centro motriz. Os cubanos, neste meio século, exportam a si mesmos e seus ideais de solidariedade pelo mundo, através dos seus médicos e médicas, educadores e educadoras. Cuba mantém o mito da revolução através da solidariedade e da generosidade. Cruzaram o Oceano Atlântico em aviões quadrimotores com 50 anos de uso, sem bancos, às escuras com alimentos, munição e soldados, para ajudar a libertação de países na África como a Guiné-Bissau, Angola e Moçambique. Enviaram ajuda humanitária pelo mundo e até açúcar e remédios para tentar salvar o governo de Allende, no Chile, cercado pela CIA e seus aliados em 1973.

posse do Presidente Lula, em 2003
A Revolução Cubana, após meio século ainda é o grande mito das esquerdas no mundo. Depois da autodestruição do império da União Soviética, do desaparecimento de caricatos regimes na Romênia de Ceaussescu e de Ever Roxha na Albânia, bem como do surgimento da salada ideológica chinesa, Cuba mantém-se firme como único exemplar legitimo da Revolução Socialista, tendo como princípio, meio e fim a Solidariedade. 

No Brasil, foram desembarcados milhares de médicos cubanos nos últimos ano,s solidários com nossas necessidades de profissionais de ponta na saúde. Um gesto generoso, solidário e sobretudo emblemático, uma vez que aqui a esquerda inicia uma tomada do poder através do voto, repetindo Allende, 40 anos atrás, e consolida-se sob a égide sagrada da... solidariedade. Nunca os brasileiros foram tão felizes. Nunca amaram tanto. O Brasil também passou a exportar a solidariedade como herança mágica do DNA da felicidade, levando recursos - dinheiro, estradas, remédios, futebol - para o Haiti, para os pobres da África e da Ásia. Protegeu jovens governos populares na América do Sul e Central, consolidando a solidariedade como símbolo, mas também construindo-a como a grande metáfora da esquerda brasileira.

Desde os anos 80, quando o Brasil retomou seu caminho democrático, a esquerda - de forma competente, sustenta seu crescimento sob o manto sagrado da solidariedade como principal fundamento ideológico. Não tratar as diferenças conforme suas particularidades é algo tão exótico quanto ser contra o sistema de cotas. Ser contra a reforma agrária é algo tão abominável quanto ser contra a copa do mundo. Solidariedade não é óbulo, caridade, mas sim um direito e representa o equilíbrio. A receita foi adequada e encaixou-se como uma luva pois, enquanto a esquerda no mundo estava na encruzilhada entre a  decadência e a reconstrução, desabando com o muro de Berlim, aqui foi possível recriar o socialismo tropical, fundindo-o com o DNA da solidariedade, excelente modelo de exportação cubano - o contraponto ao individualismo, à ganância e à competição, propostas pela direita como solução para os males do mundo, agora numa roupagem exclusiva, grife modelo século XXI - o neoliberalismo,

Karl Marx
No entanto, os ciclos da história não se esgotam por acaso, mas pela ação humana, algo confirmado por Marx. Enquanto a nova tese e sua antítese não dão lugar a uma nova síntese, nos cabe entender os processos e seus escaninhos. Eu prefiro analisar as pontas soltas. Uma ponta solta nos cadarços do sapato podem derrubar o caminhante. E uma bela ponta solta é esta Grande Metáfora que desafia a gênese da esquerda socialista. Tenho observado como cresceram os partidos de esquerda quando no poder e analiso para onde vão e o que acontece com os antigos militantes que carregavam bandeiras nos anos 70 e 80, com seus olhares sempre direcionados ao horizonte, como que enxergando o futuro, e que pregavam a solidariedade como passaporte da felicidade. 

Fico triste em notar um homem do porte do José Genuíno iniciar um processo de desaparecimento. Começo a notar que ninguém mais fala do Celso Daniel, do Betinho, do Henfil, que doou aquela simpática avezinha negra - a Graúna, para o Partido dos Trabalhadores utilizar como símbolo. Ora, a Graúna é um dos símbolos da solidariedade do nordestino. Comecei a observar que os seres humanos vão sumindo substituídos por outros mais jovens munidos de IPAD, IPHONE, GPS, multilíngues em ternos bem cortados, numa receita parecida com a de seus adversários neoliberais onde o velho, o antigo, não tem valor de mercado. Só que indo ao fundo, notei que estes esquecidos também esqueceram de alguém pelo caminho. Enormes grupos de militantes que correram riscos e conseguiram escapar dos tanques verde-oliva agora são patrolados por modernos rolos-compressores que esmagam e trituram gente e ideias. Alguns caras são simplesmente abandonados, largados no caminho para morrer. Na verdade a nomenklatura sempre gerenciou os processos - sejam eles planos de desenvolvimento, de ataque armado a um objetivo militar ou de aproveitamento de seres humanos. Como soldados da infantaria, descartáveis pelos comandantes, hordas de militantes se lançam em ruas, vilas ou no campo. Correm riscos, lutam, brigam e até roubam... buscam soluções possíveis e impossíveis para traduzir ideias, para materializar sonhos e - um dia, na conquista do poder, simplesmente são esquecidos, abandonados.

Será que alguém lembra dos nomes dos guerrilheiros que expropriaram o cofre do Ademar de Barros? Dos que foram torturados e assassinados por conta daquela ação armada? Alguém lembra dos doadores de campanha, ao menos desde 1989? Dos militantes que venderam carros e imóveis da família para ajudar a pagar campanhas? Por outro lado tem alguns vetustos cidadãos circulando por aí com significativas aposentadorias de deputado ou governador após trabalhar (?) quatro anos... Como o viajante diante da esfinge, ao ingressar no mundo da política tradicional o militante se depara com a pergunta: - Tu me decifra ou eu te devoro! Não tem terceira opção. Ou ele se adapta como a água no vaso, ou ele será esquecido depois que não der mais caldo o suficiente.

Soube de velhos e doentes militantes quebrados depois de tanto ajudar a pagar campanhas e vi governador passar por um deles fingindo que não o conhece, sem coragem de fitar seus olhos. Sei de deputados que nunca tem tempo para atender cabos eleitorais, e de vereadores que até mudam o número do celular. E vi gabinetes e repartições abarrotados de cc's, puxa-sacos e amantes de aluguel, que nunca conseguiram passar do primeiro parágrafo do programa do partido. Dirigentes de estatais nomeados "por curriculum" que na realidade são ladrões e vigaristas, mestres em repartir o butim com seus amos, outros tipos de pilantras que não conseguem manter seus pintos dentro das calças.

Gulags: campos de reeducação na antiga URSS
Conheci gente que tem gavetas cheias de cheques sem fundo de uns políticos importantes que cagam regras de bom comportamento por aí. Gostaria de ver estes cheques saírem das gavetas e irem parar nos cartórios de protesto e nos jornais. Stalin, durante os anos de seu reinado autoritário resolveu o seu problema com os companheiros e colaboradores enviando-os para os Gulags e tirando-os até dos retratos e dos livros de história. No neosocialismo pregado pela nova esquerda, não há lugar para a solidariedade. Este pessoal sem alma, simplesmente deixa seus antigos companheiros pelo caminho, para morrerem de fome e  doentes. E esta gente perversa tem tanta presunção, que não consegue lembrar que uma ponta solta nos cadarços do sapato podem derrubar o caminhante.

Diante da Grande Metáfora proporcionada pela busca do náufrago do Granma, o dilema das esquerdas está em descobrir se a solidariedade pregada é a mesma aplicada. Ou seja, qual a síntese entre esta tese e sua antítese, dentro da mesma gênese. O pensador poderá até descobrir, na pesquisa, se a sua alma não foi abandonada ou negociada com alguém.