Originalmente publicado por: Fábio Mundstock, Pesquisador
102 anos do 1º negro no Grêmio
O 1º clube de Porto Alegre a adotar negros nos seus quadros foi o Grêmio. Antes de Tesourinha, mais de duas dezenas de jogadores negros passaram pelo clube. Abaixo texto do pesquisador Fábio Mundstock publicado no centenário do evento em 19/05/2012.
O Centenário do Primeiro Negro com a Camisa Gremista
O dia 19 de maio de 2012 é uma data histórica!
Há exatos cem anos o ground da Baixada encontrava-se alagado, mas
naquele domingo cinzento, todos queriam jogar. As longas caminhadas que
os jovens faziam para poderem desfrutar de momentos esportivos com uma
pelota encantava a todos na cidade, não importava se estes se deparavam
com um pouco de barro ou algumas poças d'água num campo de futebol.
As equipes do Grêmio, o Porto-Alegrense da época, haviam acertado duas
partidas contra o Nacional, a partida inicial - conhecida hoje como
preliminar- seria disputada pelo "segundo quadro" e a partida principal
valeria para o campeonato da Liga Porto-Alegrense.
O estado do
gramado chegou a ser motivo de discussão devido aos adiamentos das
partidas. Uma resolução permitiria então, a transferência dos jogos para
o domingo seguinte. No entanto, o capitão do segundo quadro do Nacional
exigiu que a partida fosse realizada.
Então, de comum acordo, o Sr.
Mendonça, juiz do Internacional, escolhido para os matches daria
condições para que as partidas se realizassem.
A primeira partida
terminou com resultado de 9x2 para o Grêmio e a segunda com o placar de
8x0, mesmo com a interrupção aos 28 minutos da segunda etapa, devido
falta de luz natural.
Mas não são os scores, muito menos a partida principal o foco deste texto.
A equipe que entrou em campo na partida preliminar era formada
basicamente por jogadores, associados do clube do ano vigente e do ano
anterior (1911 e 1912). E lá estava ele: Antunes.
Antunes não foi
apenas um dos jogadores a vencer o Nacional, mas sim, o primeiro negro a
vestir a camisa do Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense.
Segundo meus estudos, seu nome completo seria Armando Luiz Antunes, um negro, associado do Grêmio, o maior clube da cidade.
É complexo definir uma raça, definir o branco, o mulato, o pardo, o
negro. No passado, o homem de raça escura buscava no "branqueamento", no
disfarce da cor, uma ascensão social. Para a sociedade da época, ser
branco era ser superior. Um grande erro, provado durante o curso da
história.
Hoje, a mudança da sociedade faz com que o branco queira
ser negro, muitas vezes, para entrar na disputa pelas cotas nas
universidades, para sentir-se como a maioria do povo brasileiro.
Não há certo, nem errado, há uma mudança de pensamento da sociedade, estamos mais flexíveis com relação às alterações sociais.
É importante perceber que quando o futebol foi criado, a comunidade
escravocrata não estava inserida no contexto social. O esporte foi
criado e praticado por brancos, ingleses, europeus e posteriormente,
pelo povo brasileiro. Aqui no Rio Grande do Sul, o primeiro clube surgiu
em 1900, o Sport Club Rio Grande; e a abolição da escravatura não tinha
ainda nem completado duas décadas. Mesmo com esta transição lenta, como
é comum em qualquer sociedade, o Bangú já ousava ao escalar o seu
primeiro homem "de cor" em 1905.
Aos poucos, o Bahia, o Vasco da
Gama e o Fluminense quebravam o preconceito em relação às raças. Em
1914, um negro chamado Carlos Alberto maquiava-se com "pó de arroz" e
vestia a camisa do Fluminense, tentando disfarçar sua cor.
No Rio
Grande do Sul, um Estado colonizado basicamente por alemães e italianos,
a inclusão era ainda um processo mais lento e complicado. Mas já
mostrávamos sinais de mudanças, exemplo disso seria o time do Guarany de
Bagé, campeão estadual de 1920, que mantinha negros e uruguaios na sua
equipe.
Os negros começaram a organizar as suas ligas para poder
jogar futebol. Em Porto Alegre foi criada a liga independente dos
"Canelas Pretas", após o ano de 1910. Uma década depois, em Pelotas, era
formada a liga "José do Patrocínio"; já em Rio Grande formava-se a liga
"Rio Branco".
Em 1928, o Americano rompeu o preconceito, com
Alegrete e Barulho; posteriormente o Internacional, com Dirceu Lopes;
logo após, o Cruzeiro e o São José foram incluindo os negros nos seus
plantéis. Mas os negros eram tolerados e não aceitos de forma ampla.
No Grêmio, a lenda do Tesourinha foi uma das maiores jogadas de
marketing do futebol gaúcho. Tesourinha não foi o primeiro negro a
vestir a camisa tricolor, mas ele era a pessoa certa para quebrar este
paradigma.
Tesourinha era negro, simplesmente o maior jogador que já
havia passado por aqui, estava jogando no Vasco da Gama, em idade
avançada e louco para voltar ao Rio Grande do Sul. O bom relacionamento
dos dirigentes do Grêmio com os dirigentes do Vasco da Gama, a
instauração de uma nova era, a transição do velho estádio da Baixada
para o novo estádio Olímpico eram os pontos fundamentais para a extinção
do paradigma de racismo no clube germânico.
Mas antes de
Tesourinha, desfilaram mais de duas dezenas de negros. Laxixa, Mário
Carioca, Hélio, Prego, Jorge, Hermes Conceição. Antes do primeiro negro
vestir a camisa colorada, Maldonado, Saraiva, Silva, Neco e Adão Lima já
haviam suado muitas camisas tricolores e conquistado muitas vitórias.
Os "filhotes do Grêmio" - hoje considerada uma espécie de categorias de
base - possuíam na sua equipe da década de 20 vários jogadores negros.
Mas, ironicamente, um clube considerado racista por muitos até hoje, é um clube popular e pioneiro.
Falar que o Grêmio é um clube racista é, no mínimo, não ser conhecedor de sua gloriosa história.
O Grêmio possui a maior torcida do Estado, e consequentemente, a maior
parcela de negros na sua torcida. O autor do terceiro hino tricolor,
vigente até hoje, era negro. A única estrela constante na bandeira
tricolor é em alusão a um negro, Everaldo. E cabia ao Grêmio ter em seu
quadro associativo um negro, há exatos cem anos.
Naquele dia
histórico, Bowel, Deppermann, Geyer, Py, Ely, Bento, Correa, Antunes,
Gertum, Chico e Carlos mostraram a grandeza do Grêmio e aplicaram 9 gols
no Nacional. Carlos (4), Correa (4) e Ely "cravaram" na história o
orgulho de ser gremista e modelo para os demais clubes.
Parabéns Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense.
Fotos das equipes de 1914 e 1915.
Fábio Mundstock
Pesquisador